quarta-feira, 17 de maio de 2017

Chantal Montellier, ilustradora: "O mundo dos super-heróis é o mundo dos nossos avós"

"Cada vez mais mulheres produzem, mas ainda há um padrão de criatividade", diz a quadrinista Chantal Montellier Foto: Leo Martins / Agência O Globo
Quadrinista francesa esteve no Rio para participar da Semana Internacional de Quadrinhos na UFRJ


"Cada vez mais mulheres produzem, mas ainda há um padrão de criatividade", diz a quadrinista Chantal Montellier - Leo Martins / Agência O Globo

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Resultado de imagem para Chantal Montellier, ilustradora"Estudei na Escola de Belas Artes de Saint-Étienne e desde os anos 1970 publico quadrinhos com caráter político, social e feminista. Desenhei para a revista Ah! Nana, que reunia apenas mulheres cartunistas. Estou à frente do Artémisia, prêmio voltado para as melhores produções femininas do setor."
Conte algo que não sei.
Um história bem íntima. Fui muito apaixonada pelo homem com quem morei por 17 anos na França, mas ele me deixou para ficar com uma socióloga brasileira. Sociólogos se apaixonam por sociólogos... Isso está em todos os lugares das minhas obras, mas muito bem escondido. Eu nunca produzi algo íntimo. Eu me alimento do que vivi, mas nunca de forma bruta, porque gosto mesmo das fábulas políticas.

Como é o cenário dos quadrinhos para quem tem esse viés político e social?

O mundo de séries para crianças, com os super-heróis da Marvel, é o mundo nos nossos avós. O quadrinho mudou muito e cresceu nos anos 1970 graças aos movimentos culturais, à contracultura e ao feminino. Mas hoje há um enfraquecimento, um atraso, estamos andando para trás. Antes, havia muitos jornais e revistas independentes com conotação política de esquerda, em que muitos podiam veicular suas ideias. Havia uma paisagem editorial variada, mas agora é tudo muito concentrado em linhas editoriais conservadoras e reacionárias.

A produção feminina nos quadrinhos vem crescendo?
Cada vez mais mulheres produzem, mas ainda há um padrão de criatividade. Uma grande parte das histórias é construída pela relação do íntimo, da esfera doméstica. Mas isso não é exclusivo. Há produções com conteúdos sociais e políticos. Este ano, um dos prêmios Artémisia foi para um álbum de humor muito forte, político e feminino, sobre um resistente que lutou contra o regime ditatorial no Haiti e depois se tornou prefeito de Porto Príncipe. Outro prêmio foi para um trabalho sobre a representação da mulher pelo imaginário patriarcal.
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Como era na década de 1970, quando a senhora começou?
A produção das mulheres era mais política e social. Nos anos de 1970 e 1980, publiquei em uma revista feminista, voltada para o público feminino, chamada Ah! Nana, que teve nove números e foi censurada por pornografia, o que jamais existiu. Mas as imagens das mulheres não agradavam à censura.

Curioso, porque muitos quadrinhos sempre representaram o corpo da mulher de forma negativa, como objeto, e não houve censura...
São argumentos de vendas, dizem eles, mas claro que é uma forma de exploração do corpo feminino. Fomos censuradas na época em que o quadrinho crescia na França e havia muita publicação em que a mulher aparecia com pouca roupa. Quando nossa revista foi censurada, não houve qualquer movimento de solidariedade. Houve uma indiferença absoluta... Se uma revista de homem que publicasse desenhos eróticos tivesse sido censurada, haveria uma polêmica nacional.

Há dois anos, a França sofreu o ataque à redação do jornal Charli Hebdo. Desde então, o que mudou em relação à liberdade de expressão?
Tudo e nada. É um trauma para todos nós, deixou um vácuo que está sendo difícil preencher. Mas a questão da liberdade de expressão vai além do que aconteceu ali. Os ilustradores não sofrem só com os extremistas. Quando um editor descarta uma ideia com o argumento de que “isso não vai vender", o que está acontecendo é uma forma de censura econômica.

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