segunda-feira, 20 de abril de 2015

A difícil tarefa de ler quadrinhos no Canadá

Black Kiss 
Ser leitor de quadrinhos no Canadá não é uma tarefa muito fácil. Como se não bastassem todas aquelas famosas leis canadenses repletas de censuras flagrantes, tratando como únicos e absolutos os conceitos subjetivos da obscenidade e da blasfêmia, há até uma que estabelece o que pode ou não constar das HQs que circulam no país.

Basta ler o que diz o Código Criminal do Canadá sobre os quadrinhos de crimes. Há uma seção que determina que está sujeito a penalidades quem criar, imprimir, publicar, distribuir, vender ou ter em posse gibis, livros ou revistas que contenham ilustrações descritivas de crimes reais ou fictícios.
Quadrinhos eróticos também são monstros a serem combatidos pela justiça canadense. Alguns casos ganharam repercussão internacional, como o recolhimento, ainda na alfândega, de edições importadas da HQ Black Kiss, a genial minissérie de Howard Chaykin.
Isso não foi um acontecimento isolado e a prática é histórica no Canadá. Tanto que, no início dos anos 1990, a Comics Legends Legal Defense, entidade de apoio a quadrinhistas e a editoras, distribuidoras e vendedoras de quadrinhos, fundada em 1987, chegou a organizar uma campanha para arrecadar fundos em favor de livrarias e comic shops que abriram processos contra a alfândega canadense.
Comics Legends Legal Defense
O quadrinhista independente Chester Brown, nascido no Canadá, também tem várias de suas obras proibidas de circular em seu próprio país. A censura chegou ao cúmulo de impedir a entrada, em território canadense, de um lote da revista informativa Comics Journal que continha uma entrevista com o artista.
Em 1994, uma edição especial em quadrinhos da revista masculina Penthouse também sofreu censura prévia naquele país. A HQ foi proibida de circular por lá entes mesmo de sair dos Estados Unidos.
Mas o caso que mais repercutiu aconteceu em 2007. Um morador da cidade de Edmonton foi preso e indiciado por importação de pornografia infantil. Em sua casa foram encontradas dezenas de mangás eróticos, incluindo vários com histórias em que menores de idade praticavam sexo.
Como não se tratavam de fotos, apenas desenhos pedófilos, a justiça do Canadá abrandou a pena e condenou o homem a 18 meses de condicional, 100 horas de prestação de serviços comunitários e multa equivalente a 150 dólares.
Recentemente, a pérola mais fina dessa história maluca, entretanto, ficou por conta do Edmonton Journal, que demonstrou total falta de conhecimento acerca dos quadrinhos japoneses e saiu-se com esta: “Animê é uma ramificação pervertida da indústria chamada hentai“.
A comic shop Little Sister’s Book & Art Emporium, de Vancouver, cuja especialidade é a comercialização de quadrinhos eróticos – especificamente os de temática homossexual -, é até hoje a mais atingida pela censura canadense e a que mais acumula processos na justiça.
Há alguns anos, a editora Arsenal Pulp Press bancou a produção de uma edição especial com ilustrações cuja renda foi revertida para a comic shop. O álbum What’s Wrong?: Explicit Graphic Interpretations Against Censorship (Qual é o problema?: Interpretações gráficas explícitas contra a censura, em tradução livre), com 160 páginas, continua no catálogo do site Amazon canadense.
Na descrição do álbum no site, os proprietários afirmam, em defesa de suas importações retidas na alfândega do Canadá, que “os quadrinhos em questão têm mérito artístico inquestionável e, portanto, não se encaixam na definição de obscenidade.”
Via UHQ

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