segunda-feira, 29 de outubro de 2012

A FLiQ é pop!

Por Milena Azevedo - GHQ
É uma ousadia misturar filosofia, música, cosplay, boardgames, cordel, literatura, charges e histórias em quadrinhos em um único evento?
Públicos distintos abraçaram com gosto a segunda edição da FLiQ – Feira de Livros e Quadrinhos de Natal, que aconteceu entre os dias 23 e 26 de outubro de 2012, mostrando que a ousadia de Rilder Medeiros e Osni Damásio não é utópica, e sim necessária para uma cidade tão carente de eventos culturais como a “Noiva do Sol” o é.
Com mais de 50 horas de programação gratuita, a FLiQ proporcionou oficinas de cordel, criação de personagem, roteiro, desenho e arte-final, aulas-demonstrações, bate-papos, palestras e mesas-redondas acaloradas, além de sessões de autógrafo e sketches, promovendo uma quebra de barreiras entre o público e os artistas.
Essa edição teve Moacy Cirne como homenageado, e convidados de peso, como Sidney Gusman, Gustavo Duarte, Flávio Luiz, Humberto Gessinger, Marcia Tiburi, Xico Sá e Maurício Ricardo.
A novidade desse ano ficou por conta de um mural, no qual todos os participantes poderiam desenhar ou escrever o que quisessem. As folhas com texto e desenho ficaram expostas durante os quatro dias do evento. Em breve os trinta melhores trabalhos estarão expostos no site oficial da FLiQ.
No primeiro dia, o auditório ficou praticamente lotado para ver o simpático Sidney Gusman falar sobre os diversos projetos da Mauricio de Sousa Produções (que vão desde livros para bebês até cartazes para a Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo), enfocando os artistas locais Williandi e Márcio Coelho, convidados por ele para compor os álbuns MSP +50 e MSP Novos 50, respectivamente. Eles relataram como foi o processo de criação dos roteiros de ambas as HQs, e Márcio revelou que a primeira ideia dele era fazer uma história do Astronauta, mostrando os diversos esboços que havia preparado, até que o Sidney sugeriu que ele fizesse uma história com a Turma da Mata, explorando cultura indígena e ecologia, como ele havia feito em uma das edições da revista Maturi.

Antes, foi proferida uma palestra sobre jogos de tabuleiro literários, com o boardgamer e colecionador Tendson Artur, que levou ao palco alguns dos jogos de sua coleção (que já passa dos duzentos títulos) e encantou o público com a beleza e inteligência de jogos baseados nas Mil e Uma Noites, O nome da rosa, Os Pilares da Terra, O Senhor dos Aneis e Game of Thrones. E eu também pude mostrar ao público o meu projeto Visualizando Citações, contando com as participações de Brum e Wanderline Freitas, integrantes da maravilhosa equipe do VC.
No campo da literatura, o jornalista Vicente Serejo bateu um papo com o escritor Lira Neto sobre a escrita de biografias, destacando a vida de Getúlio Vargas, seu mais novo biografado. E o publicitário e escritor potiguar Patrício Junior conduziu uma conversa animada com o escritor Marcelino Freire.
Ainda na segunda, Rilder Medeiros, organizador Geral da FLiQ, anunciou o 1° Prêmio Petrobras de Histórias em Quadrinhos, que receberá inscrições até o dia 19 de fevereiro de 2013, contemplando estudantes do ensino fundamental, médio e universitário, de todas as instituições de ensino público e privado do Rio Grande do Norte.
O segundo dia da FLiQ foi de tietagem geral. No início da tarde, fãs natalenses e vindos do interior do estado, como Russiano Paulino, de São Rafael, já começavam a chegar para esperar Humberto Gessinger, vocalista e letrista dos Engenheiros do Hawaii, também autor de quatro livros. Logo as senhas para autógrafos do Gessinger passaram a ser disputadas quase à tapa.
Da mesma forma, a tietagem esteve presente no bate-papo que tive com o Sidney Gusman sobre o mercado de quadrinhos no Brasil, a criação do Universo HQ, sua experiência de escrever um roteiro profissionalmente para O Ouro da Casa, e os causos de colecionador, com ele contando como foi a acirrada disputa pela edição do Homem Borracha, de Jack Cole (publicado pela Ebal nos anos 1970), entre ele e Rodrigo Arco e Flecha. Aproveitei o momento e apresentei a Sidney alguns de meus tesouros da Turma da Mônica: o álbum de figurinhas A História da Turma da Mônica, lançado pela Rio Gráfica em 1986, e o especial As Melhores Piadas de Roque Sambeiro (aí ele me fala: “você não viu que o Mauricio fez chamada, pedindo a quem tivesse essa edição pra enviar à MSP, pois nossos estoques estão baixos?”).
Logo em seguida ocorreu a mesa sobre a publicação independente, com Henrique Magalhães, Flávio Luiz e os membros da K-ótica: Marcos Guerra, Leander Moura e Renato de Medeiros.
Para completar, a mesa-redonda em homenagem ao Professor Moacy Cirne, composta por Sidney Gusman, Henrique Magalhães (que segurou durante todo o momento o livro A explosão criativa dos quadrinhos) e José Veríssimo, teve um relato bem-humorado desde quando Cirne começou a ler quadrinhos até sua chegada ao Rio e a produção dos primeiros textos analisando quadrinhos e cinema.
A serenidade desse dia ficou por conta do protesto contra o descaso da Fundação José Augusto ao Prêmio Moacy Cirne de Quadrinhos, cujo resultado saiu há quatro anos, mas nenhum artista recebeu seus respectivos prêmios.
Na quinta-feira houve a mistura de quadrinhos, cordel e literatura. A entrega do VI Prêmio Cosern Literatura de Cordel agitou o pavilhão da FLiQ, com os vencedores – a maioria da cidade de Mossoró – orgulhosos de suas conquistas. A literatura jocosa de Xico Sá foi posta em evidência num bate-papo com o publicitário e escritor Carlos Fialho (que “entupiu” o auditório), e a literatura infantil foi tema da mesa-redonda que reuniu José de Castro e Lara Piau.
No tocante aos quadrinhos, a mesa Não perca a piada: fazendo quadrinhos de humor, com Flávio Luiz e Gustavo Duarte, mediada pelo desenhista e chargista Brum, foi simplesmente magnífica (com direito a elogio público de Gustavo a Brum, em suas palavras “um dos melhores mediadores que tive em eventos”). Flávio Luiz fez várias revelações: explicou por que trocou Salvador por São Paulo, que o álbum Aú, o capoeirista não foi publicado pela Lei de Cultura da Bahia porque ele se recusou a inserir ACM Neto como personagem (depois o álbum acabou saindo via Lei Rouanet), e ainda por que ele alterou as ilustrações na bandana de Bel (vocalista do Chiclete com Banana). E Gustavo, ainda chateado – com razão – sobre a questão do “remanejamento” do jornal esportivo LANCE!, no qual ele fazia charges diárias há 12 anos, provocou: “os jornalistas estão acabando com o jornalismo”.
À noite dividiram lançamentos (ambos da Cia. das Letras) Gustavo Duarte, com Monstros!, e Xico Sá, com Big Jato; e ainda Flávio Luiz autografava seus álbuns Aú, o capoeirista e O Cabra, além de posters diversos e HQs mais antigas, como Jayne Mastodonte e as tiras do Rota 66.
O último dia do evento teve discussão sobre Luiz Gonzaga, palestra sobre literatura e filosofia, concurso de cosplay e a aguardada mesa sobre charges. Os momentos altos ficaram por conta da Marcia Tiburi, que provocou a plateia logo de cara, espantada com o excesso de veículos automotores em Natal (“isso é culpa do IPI reduzido”, comentou), depois relembrou seu amor pelo estudo da filosofia ainda no início da adolescência, a escrita de seus livros de filosofia e os romances, confessando que um dia quer fazer uma história em quadrinhos (mídia que adora), mas por enquanto só esboçou um texto ilustrado em Filosofia Brincante. Ela insistiu que a saída para a depressão e outros males modernos do espírito é a escrita, e que pretende criar uma espécie de seita do silêncio, pois hoje os únicos locais em que o silêncio é encontrado são as igrejas e as bibliotecas (e olhe lá).
A mesa que fechou a segunda edição da FLiQ contou com a presença do popular Maurício Ricardo, e dos chargistas Ivan Cabral e Brum, e foi polêmica. Começou com a discordância do Maurício Ricardo com a proposta mais didática trazida por Ivan Cabral. Superado o impasse inicial, a fala de todos foi bem descontraída, até abrir para as perguntas da plateia. Um rapaz, para quem charge não era arte, pois ele não a comparava com o Grito ou a Monalisa, insistia em dizer que Maurício Ricardo fazia charge para os analfabetos funcionais, pois ao colocar “legendas” em suas charges, matava o sentido das mesmas. Maurício respondeu à altura, dizendo que de forma alguma explica suas piadas, apenas deixa um link para que o leitor se situe no contexto das mesmas: “meu público é grande e diversificado, então quem não souber o que é CPI ou Mensalão, clica na legenda e terá a notícia a seu dispor”.
A FLiQ não tem vergonha em ser pop. E esse ano os stands comprovaram isso. Estavam lá livrarias, editoras, sebos, cordel, cosplay, quadrinistas, boardgames, assinaturas da Panini, mas também a escola de animação Gracom e as camisetas Red Bug. O stand da Gracom, diga-se de passagem, foi o mais visitado e fotografado, pois eles deixaram em exposição uma estátua em tamanho real do Wolverine, bem como bustos de Rambo e Pelé, que todos queriam “levar pra casa” como recordação.
A organização ficou deveras feliz com o retorno positivo do público, e até está pensando em fazer algumas alterações para a próxima edição, haja vista a intensa solicitação para que o evento se estenda até o sábado.
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