segunda-feira, 18 de julho de 2011

Negritude em quadrinhos

Por Gibizada

Página de "Morro da Favela"
Autor do roteiro e da arte de álbuns em quadrinhos como "O quilombo Orum Aiê" (Record) e  "Chico Rei" (Franco Editora), o carioca André Diniz acaba de lançar pelo selo Barba Negra, da editora Leya, o livro "Morro da Favela", onde conta a história do fotógrafo Mauricio Hora, morador do Morro da Providência. E, em breve, ele manda mais dois para as livrarias: "A cachoeira de Paulo Afonso" (Pallas), baseado no poema homônimo de Castro Alves, e "Mwindo", pela Record. Quem acompanha o trabalho de Diniz sabe que ele também é responsável pela capa da revista independente "Café Espacial" de número 8 e por uma HQ com o personagem Jeremias, de Mauricio de Sousa, em "MSP+50" (Panini). Todos eles têm uma temática em comum: o negro.
- Como a brasilidade no meu trabalho é forte, não tem como o negro não estar presente - conta André Diniz por email ao Gibizada. - Eu não busquei especificamente histórias envolvendo o negro, eu só me assumi como brasileiro e, automaticamente, esse passa a ser um tema meu também. Uma única coisa me move: a busca de uma história interessante a contar.
E explica suas escolhas:

- Contei a história de Chico Rei porque vi nele um herói do tipo que admiro: o que luta pela causa e não pela vingança, algo como Gandhi ou Luther King, guardadas as proporções. Mwindo é uma lenda africana deliciosa e inusitada e foi esse o critério. "A Cachoeira de Paulo Afonso" é um poema deslumbrante e um dos poucos longos e "encenáveis", com narração e diálogos, o que possibilitou uma HQ. A ideia do Quilombo Orum Aiê partiu da ideia de fazer uma parábola da busca pessoal que um jovem se lança à vida adulta, com suas dores e desilusões, e achei que a jornada de um escravo buscando a liberdade em um quilombo utópico representaria bem isso. Já em "Morro da Favela", o livro nem entra muito na negritude do personagem, embora ele seja filho de negra com branco. 
Sobre o álbum que usa a comunidade hoje conhecida como Morro da Providência como cenário, o autor diz que era um desejo antigo contar, em quadrinhos, a história de uma pessoa comum, dessas que você ouve a história de vida e diz: "caramba, daria um filme". Ou HQ.
- Meu cunhado, o produtor cultural Neko Pedrosa, fazia na época um trabalho ligado às comunidades da zona portuária do Rio - explica Diniz. - Perguntei se ele não conhecia alguém ali com uma história de vida interessante e ele citou o Maurício, no ato. Liguei pra ele sem saber qual seria a reação de alguém que, do outro lado da linha, atende a um desconhecido que diz "vamos contar a história da sua vida em quadrinhos?". Mas a recepção foi a melhor possível, embora eu acredite que ele só foi visualizando melhor o que viria a ser aquela proposta inusitada ao longo das nossas conversas e dos esboços que fui mostrando a ele.
Maurício Hora e André Diniz
Além de mostrar a paixão de Maurício Hora pela fotografia, mesmo com as dificuldades financeiras e a violência do lugar escolhido como cenário de muitas das fotos, o livro de Diniz também conta a história do pai do protagonista, seu Luizinho, um dos primeiros traficantes do Rio de Janeiro. Ele ficou conhecido por colocar estalinhos pelo chão da favela para fazer com que a chegada da polícia não o surpreendesse.
Além de dar nome ao álbum, o Morro da Favela, hoje Providência, também é um grande personagem. Hoje pacificado, a região situada próxima à Central do Brasil chegou a ser uma das mais violentas do Rio, e nasceu como muitas outras favelas, de uma ocupação irregular. O termo favela surgiu ali, aliás, e é o nome de um arbusto comum no sertão baiano, de onde vieram os soldados do governo que, vitoriosos na Guerra de Canudos, receberam a promessa de moradias no Rio de Janeiro como prêmio. Como nada aconteceu, em 1897 eles ocuparam a região e a chamaram de Morro da Favela. 
- Subi por várias vezes na Providência com o Maurício, e isso foi antes da UPP - lembra o roteirista e ilustrador. - Num primeiro instante, foi meio esquisito pra mim, pois saí do Rio em 2003 com um certo pânico da violência. De repente, eu estava andando em um lugar em que se vê pessoas com armas na mão na mesma medida em que se vê pessoas com celulares num shopping. Mas o impacto foi duplo: me chocou a naturalidade daquela guerra e me chocou, positivamente, a serenidade, a simpatia e a hospitalidade dos moradores, gente honesta e trabalhadora. Parecia uma cidadezinha do interior, daquelas que a gente idealiza quando está farto de cidade grande. Ficou claro pra mim o quanto o resto da população desconhece a respeito da vida na favela.
Enquanto aguarda o lançamento de "A cachoeira de Paulo Afonso", previsto para este mês, trabalho no qual diz ter se soltado mais graficamente, Diniz dá os últimos retoques em "Mwindo", que será o primeiro com roteiro de outra pessoa, Jacqueline Martins. O desenhista explica a história:
- A lenda fala de um rei africano que proíbe as sete mulheres grávidas de darem à luz a meninos. As seis primeiras parem meninas, todas ao mesmo tempo. Da sétima esposa, nasce Mwindo, um garoto que sai por seu dedo indicador. O rei tenta matá-lo. Mesmo recém-nascido, Mwindo lidera uma guerra contra seu pai, passando para o mundo subterrâneo, matando e ressuscitando pessoas sem grandes explicações.
Mitos africanos, um herói negro, a busca de um quilombo utópico e um texto daquele que era conhecido como o poeta dos escravos são alguns dos temas escolhidos por André Diniz em seus livros. Negritude em quadrinhos.  
- Acho que o mais importante é que o brasileiro conviva com a nossa negritude de forma natural e espontânea, sem renegá-la ou sem precisar tratá-la como uma bandeira. Assim, meio contraditoriamente, essa espontaneidade que defendo passa a ser, de certa forma, a minha bandeira. 
 Detalhe de "Mwindo"

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