segunda-feira, 31 de outubro de 2011

Analisando a homossexualidade do Batman

Por Fabricio Longo
Estereótipos são uma coisa muito engraçada. Na nossa necessidade de definir as coisas e entendê-las, isolamos características e de acordo com a presença delas, definimos um comportamento como “A” e “B”. Isso funciona muito bem para ciências exatas, mas quando estamos falando de seres humanos e todas as suas infinitas variáveis, a coisa se complica.
Talvez a sexualidade seja o terreno onde a discussão fica mais acirrada, justamente por ela ser algo tão complexo. Temos, em tese muito simplista, os grupos “Hétero”, “Gay” e “Bissexual”, com infinitos casos de amores e vidas entre esses pólos. Mas aí, como é preciso catalogar, temos um estereótipo do “comportamento heterossexual” e outro do “comportamento homossexual”, gerando os conceitos e pré-conceitos que ensinam às crianças o que é algo “de menino” e algo “de menina”.
No caso dos super-heróis e sua vocação para inspirar sonhos, estimular a fantasia e educar, temos uma inversão curiosa. Contrariando o que seria esperado numa tese freudiana onde tudo se relaciona à atração sexual, os heróis dos meninos são homens musculosos (e de sunguinha), enquanto as heroínas voluptuosas são relegadas ao segundo plano. Isso quando o menino lendo revistinha não é gay, circunstância na qual a heroína provavelmente será muito mais querida, restando ao homem de sunga o papel de coadjuvante (e de objeto sexual).
Isso se explica pela identificação que os heróis causam. Os meninos heterossexuais se identificam com os homens fantásticos agindo como eles gostariam de agir, e meninas e meninos gays se identificam com a figura reprimida da mulher, finalmente numa posição ativa e poderosa.
Essa é uma discussão longa e bastante delicada, mas o que nos interessa aqui é o momento onde a teoria acadêmica gerou polêmica e acusou os heróis (e um em especial), de “corromperem os inocentes”, com imagens e situações homoeróticas.

 

A Sedução do Inocente

Em 1955, o Dr. Fredric Wertham publicou “A sedução do inocente – a influência das revistas em quadrinhos na juventude de hoje”. Até então, muitos pais não tomavam conhecimento do conteúdo das revistinhas consumidas por seus filhos, e as histórias de super-heróis e contos policiais serviam para fazer propaganda de valores nacionalistas na América do pós-guerra.
Com o livro do Dr. Wertham, e a tendência da década para teorias conspiratórias e manipulação do terror, a indústria dos quadrinhos foi alvo de severas críticas. O olhar de suspeita de um adulto não poderia ser comparado ao de uma criança, e por isso imagens que antes passavam despercebidas foram acusadas de carregar mensagens subliminares e fazer “apologia gay”.
Sobre as histórias de Batman, o Dr. Fredric disse:
As histórias de Batman são psicologicamente homossexuais. É um tipo de história que pode estimular nas crianças fantasias homossexuais de cuja natureza ela são inconscientes. Só alguém ignorante dos fundamentos da Psiquiatria e da Psicopatologia do sexo pode falhar em perceber a sutil atmosfera de homoerotismo que permeia as aventuras do maduro “Batman” e de seu jovem amigo “Robin”
O livro ainda falou sobre a Mulher Maravilha e o ambiente lésbico da Ilha Paraíso, mas nenhum outro herói foi tão discutido quanto o homem morcego.
O seriado dos anos sessenta, com sua estética kitsch, não ajudou, e o “fantasma” da homossexualidade passou a fazer parte da mitologia de Batman. Mas será que isso tem fundamento?

O Solteirão

Como em qualquer obra literária, os olhos de quem lê são parte importante do que acontece. É o leitor quem se envolve com a obra, se emociona, e interpreta seu desenrolar de acordo com suas próprias experiências.
No caso de Batman, temos um homem marcado por um trauma, que utiliza a riqueza para se transformar no “maior detetive do mundo”. Um solteirão, impedido por suas próprias escolhas de se envolver profundamente com alguém, que usa o medo como arma na luta contra a injustiça numa cidade particularmente corrupta.
Essa atmosfera sombria foi amenizada quando Bruce Wayne tomou Dick Grayson como pupilo, transformando o jovem na segunda metade do que o mundo conhece como a “dupla dinâmica”. Finalmente, Bruce estabelecia um relacionamento íntimo com alguém além do mordomo Alfred.
Não é de espantar que em pouco tempo, vista por olhos maliciosos, a história do cavaleiro das trevas apresentasse sinais de homoerotismo. Sim, uma ou outra imagem mais estranha (como a dos dois amigos na mesma cama de manhã…) ajudou, mas o caso é que a malícia estava na mente de quem lia, não de quem escrevia.
Bob Kane, o criador de Batman, se disse desapontado pelo rumores, já que Robin foi criado para humanizar Bruce, justamente por que reclamaram. E após sua criação, a relação dos dois foi usada para fazer chacota da homossexualidade e aterrorizar pais com fantasias de manipulação.
As idéias do Dr. Wertham culminaram na criação de um código de ética para regularizar os quadrinhos e na introdução de personagens como a Batgirl e a Batwoman, em situações que sugeriam relações afetivas mais em acordo com a “moral e os bons costumes”.
O seriado dos anos sessenta, com sua atmosfera cômica e afetada, acabou por reforçar a polêmica, mas as vendas de quadrinhos subiram com a popularidade da série, fazendo com que o estilo fosse parar nas páginas das revistas também. Isso se sustentou até o cancelamento da série, e mais uma vez as vendas das revistas caíram. Era hora de mudar.

 

Trevas

Às portas dos anos setenta, Batman era mais popular do que nunca, graças ao seriado exibido em dezenas de países. Contudo, ele não ia bem nos quadrinhos, que tinham absorvido a estética kitsch da série. Assim, para revitalizar o personagem, a idéia foi voltar às sua raízes sombrias com histórias mais complexas e com ares policiais.
Deu para manter o personagem, mas o grande acerto veio em 1986, com “O Cavaleiro das Trevas”, da Frank Miller, que causou grande impacto e devolveu à Batman seu status de ícone cultural.
Com o sucesso, veio o filme e suas continuações (que acabaram descambando para o cafona também…). Começava uma nova era para os heróis dos quadrinhos, com o grande interesse do público por adaptações cinematográficas das amadas histórias. Como antes, Batman foi revitalizado com um retorno a seu lado sombrio, e sua trajetória no cinema voltou ao início, com “Batman Begins” contando novamente a história do garoto que decide virar justiceiro após a morte dos pais, agora de uma forma muito mais séria e sombria.
Nessa nova encarnação, o sucesso está justamente na seriedade, e ainda não há notícias sobre Robin, mas o sucesso fez com que uma galeria de Nova York aproveitasse para expor as aquarelas de um artista que retratava Batman e Robin em poses eróticas (e às vezes, explícitas). A DC Comics ameaçou processar a galeria, mas a polêmica já tinha se instaurado, e mais uma vez o “fantasma gay” assombrava o cavaleiro das trevas.

Isso Importa?

Apesar de ser um ícone, Batman é um personagem fictício. Nesses mais de 70 anos, muitos artistas participaram de sua existência, tanto nos quadrinhos que o originaram como em outras mídias. Com toda a certeza, muitos desses artistas eram homossexuais, outros tantos heterossexuais, alguns homofóbicos, outros religioso, uns mais inteligentes, outros menos.
É natural que com o poder nas mãos, um ou outro desses artistas possa ter contribuído, intencionalmente ou não, para a tese do “Batman gay”. Pode ser que um dia o personagem até “se descubra” gay, caso a sociedade caminhe para uma aceitação a esse nível (embora algo tão extremo só fosse acontecer, creio, numa terra paralela de alguma crise futura…).
Mas o caso é que não importa. A sexualidade de ninguém é relevante para as características que definem alguém como “mocinho” ou “vilão” (e mais uma vez, voltamos à necessidade de rotular comportamentos…), e sendo quem é, um herói por excelência, Batman com certeza seria o primeiro a pensar assim.
Pode ser que ele nunca apóie a “causa gay” se assumindo homossexual. Pode ser que ele seja bi ou pansexual, em mais uma faceta nebulosa de sua personalidade. Ou pode ser que ele seja mesmo um heterossexual mais preocupado em fazer justiça do que ficar “catando” gatas por aí.
O caso é que, como em toda a generalização, todo estereótipo e todo o preconceito, simplesmente não importa.

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