segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

As Eras dos Quadrinhos - Parte 3 de 4


Por Guilherme Smee - Fanboy


A Era da Incerteza ? Eu sou o melhor no que faço, mas o que faço não é nada bonito!
As bad girls em alta: Lady Death, de Brian Pulido e Steven Hughes
Com a influência dos quadrinhos independentes, do mercado direto e restrito e o código menos rígido, o caminho estava aberto para obras como Batman, o Cavaleiro das Trevas e Watchmen, que, para o bem ou o mal, redefiniram os modelos de quadrinhos de super-heróis. Foi o tempo em que os heróis não precisavam de motivos para ser violentos, e a grande maioria era cruel e raivosa, numa tradução literal do termo grim?n?gritty, uma expressão cunhada para representar o resultado da má interpretação do tom que empregaram Moore e Miller por autores menos célebres. Os protagonistas eram sombrios, portavam grandes armas e faziam cara de mau, rangendo os dentes nas capas. Fazia-se um contraponto à nobreza da Era de Prata e ao cinismo da Era de Bronze. Nesse período, a arte passou a ser mais valorizada. Grandes desenhistas passaram a receber grandes quantias por seus trabalhos e os fãs compravam revistas em grandes quantidades. As bad girls estavam na moda: a melhor heroína era aquela que tivesse os maiores atributos. Ainda, multiplicavam-se artistas que faziam uma interpretação duvidosa da musculatura dos personagens, não conseguindo repetir seu porte e disposição por mais de dois quadrinhos.
O mercado direto conheceu seu auge e, por causa disso, foi levado à sua derrocada (para saber mais sobre isso, leia a matéria sobre a Bolha Especulativa). E, mais do que em qualquer período, a indústria de quadrinhos ficou saturada de crossovers, eventos que ocorriam todo o verão, sem falta, fazendo os leitores comprarem as miríades de revistas que se ligavam umas às outras, numa seqüência nem sempre lógica, para acompanhar o desenrolar da história. Houve grandes embates entre as duas maiores, em um evento em que os leitores decidiam qual herói devia vencer. Para vender mais, ainda havia spin-offs trazendo a fusão dos personagens de uma editora com a outra.
Para não deixar de lado as obras elogiáveis, o trabalho de Neil Gaiman na série Sandman, deu o passo inicial para a criação de um selo exclusivo para quadrinhos com temas adultos: Vertigo, na DC Comics. Junto ao Homem-Animal de Grant Morrison e do John Constantine de Jamie Delano, a divisão da editora de Action Comics encontrou leitores fiéis que buscavam histórias que tivessem mais respeito pelo seu público.
Tempo de mudanças: A morte do Superman (Superman #75 - 1993), A queda do Morcego (Batman #497 - 1993), Crepúsculo Esmeralda (Green Lantern #49 - 1994) e Ártemis luta contra Diana pelo título de Mulher-Maravilha (Wonder Woman #92 - 1994).
Ainda assim, no lado mais tradicional da empresa, os heróis não foram poupados. O Superman morreu e foi substituído. Batman ficou paraplégico e foi substituído. O Lanterna Verde enlouqueceu e foi substituído. A Mulher-Maravilha perdeu uma gincana e foi substituída. Na Marvel, também ocorreram as mais radicais transformações. O Homem-Aranha descobriu que era um clone e foi substituído. OQuarteto Fantástico, os Vingadores e o Hulk, dividido, deram sua vida para salvar um universo e foram substituídos. Novos heróis para uma nova geração de leitores? Sim, mas em pouco tempo essa mesma geração se cansaria da fórmula e os heróis teriam de recuperar rapidamente valores dos quais haviam sido alienados.
Mas como chamar a era em questão? Até onde ela vai? Estaríamos ainda vivendo esse período? Para começo de conversa, devido a obras vitais deste período, como as supracitadas de Moore e Miller, a época foi chamada de The Dark Age (A Era Sombria), o que faz sentido, considerando-se a grande sombra raivosa que envolveu todos os super-heróis e os fazia agir de forma fria e irracional, sem se importar com os meios para atingir seus fins. Foi uma era sombria também em termos criativos. Era costume lançar eventos bombásticos como mortes, mutilações, seqüestros e traições para fazer vender títulos, sem o cuidado para obter uma boa história, utilizando-se explicações descabidas. Dada a proximidade desta época, há poucos livros que tratam dela, mas uma obra versa exclusivamente dela:The Dark Age: Grim, Great e Gimmicky Post-Modern Comics, que mostra a Era Sombria em detalhes.
Os anos 90: A Era Image
(The Road To Independence, de George Khoury - 2007)
Entretanto, há outras denominações. O site Quarter Bin marca o início do período com o êxodo dos artistas da Marvel para Image Comics, nomeando-o Era de Mica, matéria-prima do glitter. Em consonância, o fim da Era de Mica aconteceria com o fim de editoras como Valiant/Acclaim, Malibu e a venda daWildstorm, um estúdio da Image, para a DC Comics. São atribuídos a essa era a especulação e os brindes metalizados, que aumentavam a venda das publicações.
O mais lógico seria que a Era de Bronze fosse sucedida pela Era de Ferro, na tradição greco-romana, mas são poucos que usam este termo, muito popular nos anos 80. Em 2003, a revistaOverstreet Comic Book Price Guide introduzia uma Era de Cobre. Segundo a publicação, esta era iria de 1984, com o lançamento deSecret Wars, até 1992, o ano de lançamento da Image Comics.
Essa definição de período, entretanto, não considera que a criação da Image não leva à concepção de novos padrões, mas sim, da mimetização dos heróis que já estavam estabelecidos. Muitos dos aspectos de seus primeiros personagens vieram da Marvel e da DC. Somente anos mais tarde é que desenvolveriam suas particularidades e se libertariam da sombra de outros heróis. Spawn bebe na fonte do simbionte do Homem-Aranha e nos aspectos sombrios de Batman. Ripclaw e Warbladeforam baseados em Wolverine, Cyblade em Psylocke, Stryker em Cable, Queda-Livre emJubileu, Queimada em Tocha Humana, e assim por diante. O Youngblood, por sua vez, foi projetado para ser um spin-off de Novos Titãs, chamado Team Titans.
A falência da Marvel é parodiada em Titans of Finance (2001)
A. David Lewis, pesquisador de quadrinhos e colaborador do siteBroken Frontiers, descarta as denominações Era de Cobre(metal mais valioso depois do bronze), Era de Cromo (em relação aos plásticos cromados que envolviam as revistas de colecionadores), Era da Ferrugem (referência à qualidade das histórias na Era de Ferro) e Era de Aço, propondo a Era de Hidrogênio, primeiramente pelas propriedades únicas do elemento que também se encontravam nos quadrinhos de então, como sua simplicidade, abundância, volatilidade e propensão a explosões. O hidrogênio também abarca uma ambigüidade, pois pode tanto compor a água, substância vital, quanto ser a matéria-prima de bombas atômicas. Em última instância, é o símbolo utilizado pelo Dr. Manhattan, personagem de Watchmen, obra que inauguraria tal era. Para o colunista, este período continuaria até os dias de hoje, mas estaria na premência de acabar.
A Marvel pediu falência em 1997, levando Mike Conroy a relatar, após concluir um panorama histórico do mercado de quadrinhos de ação nos Estados Unidos: ?Graças à concentração de super-heróis e às exigências dos fãs, verifica-se uma perda no interesse peloscomics como um meio, acarretando num enxugamento até a raiz da base de fãs. A negligência com novos leitores tem feito com que cada vez menos leitores ocasionais descubram os comics, todavia, aqueles que o fazem, acabam encontrando muitos títulos impenetráveis ? abarrotados com anos de continuidade e referências que interessam somente aos leitores de longa data?.
Período de Transição D ? Nostalgia: Ah, como seu fantasma ainda paira...
Enquanto o mercado direto contraía e se concentrava nas mãos da distribuidora Diamond Comic Distribuitors, o mercado de comics propriamente dito fazia o mesmo. Houve uma queda de 14% no volume de vendas em 1998 e 5% em 1999, segundo o Comic Buyer Guide, chegando a menos da metade dos patamares de 1993, o melhor ano.
Supremo: Criação de Rob Liefeld, escrito por Alan Moore.
No conteúdo das revistas, pairava o fantasma da nostalgia. Era um sentimento que editores e leitores dividiam depois de perceberem que as mudanças drásticas que foram feitas na maioria dos super-heróis não eram garantia de boas histórias. Olhavam para trás, para as eras passadas, principalmente a Era de Prata, na ânsia de resgatar o sentimento que vinha daquelas aventuras, cheias de incongruências, mas ainda assim divertidas e descompromissadas. Alan Moore foi um dos primeiros a assumir esse sentimento e desenvolveu para o Supremo, criação de Rob Liefeld, quadrinhos propositalmente calcados nas aventuras e no universo do Superman da Era de Prata.
Foi realizada uma espécie de resgate do papel icônico dos super-heróis, já explorado em obras anteriores, como Marvels e Reino do Amanhã e ulteriores, como Superman - Paz na Terra e Batman - Guerra ao Crime. As editoras pensaram um passo atrás e tentaram ajustar o elenco de algumas equipes com formações que lograram sucesso no passado. A LJA voltava com seus sete integrantes mais notórios e passava a ser escrita por Grant Morrison, aclamado pela crítica por suas obras na Vertigo. Também tinha gosto de volta ao passado o retorno dos heróis que morreram no Massacre. Os Vingadores, por exemplo, voltavam a ser desenhados por seu artista clássico, George Perez. Os X-Men davam as boas?vindas novamente paraNoturno, Colossus e Kitty Pryde. O Superman assumia um polêmico visual azul e elétrico, para depois se dividir em dois, o azul e o vermelho. A transformação fazia referência a uma história da Era de Prata, publicada em Superman#162 (1963) que se passava em um mundo imaginário.
O Sentinela: Como pode o mundo esquecer seu maior herói?
No ano 2000, esse revival da Era de Prata chegou a um patamar diferente. A Marvel procedeu com a divulgação de Sentry, o Sentinela da mesma maneira que o filme A Bruxa de Blair espalhou boatos sobre a real existência da bruxa na mídia e na Internet. A revista Wizardanunciou que a Casa das Idéias havia resgatado uma antiga criação deStan Lee e do artista Artie Rosen, nunca posta em prática. Tratava-se do Defensor Dourado da Decência. Naquele ano, a editora lançava a minissérie Sentry por Paul Jenkins e Jae Lee. No final da história, que vinha repleta de declarações de Stan Lee sobre a criação do personagem, a Marvel confessou que tudo não passara de uma farsa. Nunca existira aquele herói nos anos 60, Sentry era um personagem original e Artie Rosen, um artista fictício.
Houve outras inovações. Kevin Smith, diretor de cinema responsável pelos filmes O Balconista, Procura-se Amy e Dogma, deu início à linhaMarvel Knights com a história Diabo da Guarda para o Demolidor.Smith foi um dos primeiros profissionais de outras mídias a estabelecer uma sinergia com os quadrinhos. Mais tarde, outros se juntariam a essa onda. A DC, que já inovava na linha Vertigo trazendo séries como Transmetropolitan, de Warren Ellise 100 Balas, de Brian Azzarello, lançou o crossover DC 1.000.000, encabeçado pela LJA de Grant Morrison. Em 2000 e 2001 o volume de vendas dos comics aumentava em 1%.
Mas o maior sucesso do início do milênio foi a linha Ultimate Marvel, desenvolvida pelo editor-chefeJoe Quesada e por Bill Jemas, o presidente da Marvel na época. A proposta da linha era livrar os super-heróis da Casa das Idéias do peso de anos de cronologia, apresentando-os para novos leitores com histórias de origem ambientadas no século XXI. Talvez pensando da mesma forma, a DC levou às telas Smallville, seriado que conta as aventuras do jovem Clark Kent, antes de tornar-se Superman, com o plano de fundo dos dias de hoje.
Apesar de se passarem em universos à parte, podemos considerar a linha Ultimate Marvel e Smallvillecomo uma mudança de paradigma. Peter Parker não era mais picado por uma aranha radioativa, mas geneticamente modificada. O Quarteto Fantástico não estava interessado na corrida espacial quando seus poderes surgiram, mas em desenvolver tecnologia de teleporte. Os Vingadores não são amigos super-heróis que se juntaram para conter uma ameaça que separados não poderiam derrotar, mas uma equipe militar em que cada integrante é desajustado e tem seus objetivos mesquinhos, mas todos são considerados Supremos.
A linha Ultimate: sucesso da Marvel Comics
Já o Clark Kent de Smallville tem de usar seus poderes para enfrentar pessoas comuns que foram transformadas pelos despojos de seu planeta natal, tem a seu lado uma Lana Lang de traços asiáticos e uma nova amiga que nunca deu as caras nos quadrinhos. Além disso, a origem de Clark é compartilhada com a de Lex Luthor e é a dinâmica desse antagonismo que dá movimento à série. Contudo, o programa tem um tempo marcado para acontecer. É quando o mito deste Clark Kent se consome: o momento em que Kal-El veste a roupa azul e vermelha. Assim, ele terá amadurecido e se tornado adulto. A dinâmica mudará e a série se encerrará. Novamente vemos a razão da resistência dos editores em casar ou dar filhos a estes personagens.
Possivelmente, a criação de novos paradigmas já seria suficiente para afirmar que os quadrinhos estariam vivendo um novo estágio, mas a crise que leva os quadrinhos a uma nova era, ainda estava por vir.

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